o que muda com novo Código Civil e reforma tributária

A herança e o planejamento patrimonial devem passar por uma transformação dupla nos próximos anos.
De um lado, a proposta de reforma do Código Civil em debate no Congresso traz mudanças profundas nas regras de sucessão, alterando o papel do cônjuge e ampliando as possibilidades de exclusão de herdeiros. De outro, a reforma tributária já aprovou novas regras para a cobrança do ITCMD, o imposto sobre heranças e doações, que terá alíquotas progressivas e pode aumentar a carga tributária na transferência de grandes patrimônios.
O Projeto de Lei (PL) 4/2025, que propõe atualizar o Código Civil, é de autoria do senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG) e foi apresentado quando ele ainda presidia o Senado Federal. A proposta altera cerca de 900 pontos da regra atual e inclui 300 novos dispositivos.
Ana Paula Peixoto, sócia e chefe da área jurídica da Legend, empresa especializada em gestão e sucessão patrimonial, avalia que as mudanças que estão sendo analisadas trazem mais liberdade para a pessoa decidir o destino de seus bens.
Sob essa perspectiva, ela entende que o planejamento patrimonial torna-se mais flexível e personalizado, possibilitando que cada um organize a transferência de seu patrimônio de acordo com seus próprios valores, inclusive levando em conta critérios mais afetivos – como beneficiar alguém com quem tem mais vínculo.
“Essa liberdade é muito positiva, mas exige documentação mais estruturada para evitar brigas no futuro. Isso pode incluir testamentos bem redigidos, com estabelecimento de cláusulas restritivas, com indicações de curadores e de regras de governança familiar”, afirma.
Código Civil vigente foi aprovado há mais de duas décadas
O atual Código Civil, aprovado em 2002, substituiu as normas legais editadas em 1916, que vigoraram de 1917 a janeiro de 2003.
“Então, sob alguns aspectos, ele nasceu defasado. Passados mais de 20 anos, independentemente de concordar ou não com as mudanças, é necessário que elas venham para, entre outras finalidades, enfrentar os desafios contemporâneos”, afirma.
Nova proposta modifica status e acesso do cônjuge à herança
Uma das principais modificações propostas em relação à herança é a alteração do status do cônjuge e de companheiros, que deixariam de figurar entre os herdeiros necessários.
Atualmente, filhos, pais e o cônjuge (ou companheiro, em equiparação via jurisprudência) são considerados herdeiros necessários. Por essa razão, a lei garante a estes uma parte obrigatória de 50% do patrimônio, chamada de “legítima”.
Com a eventual mudança, viúvos e viúvas teriam que ser explicitamente indicados no testamento para receber sua parte do patrimônio, ao contrário de pais, filhos e netos.
Cônjuges deixariam de receber herança
Segundo Ana Paula, desde o primeiro momento, essa modificação gerou muita controvérsia, já que, se for aprovada, a herança somente será concedida ao cônjuge na ausência de descendentes e de ascendentes, independentemente do regime de casamento ou união estável.
“Mais do que isso. Deixando o cônjuge/companheiro de figurar no rol dos herdeiros necessários, poderá ser excluído do recebimento da herança, se a pessoa assim expressar sua vontade”, explica.
Herdeiros necessários poderão ser excluídos
Outra mudança importante que a proposta do novo Código Civil traz é a possibilidade de excluir herdeiros necessários em caso de “ofensa à integridade física e psicológica” e “desamparo material e abandono efetivo, voluntário e injustificado”.
Atualmente, o Código Civil prevê a possível deserdação em quatro situações: ofensa física, injúria grave, relações ilícitas com madrasta ou padrasto e em caso de desamparo em alienação mental ou doença grave. Ou seja, a nova regra amplia as possibilidades de deserdação.
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Proposta de Código Civil prevê outras mudanças para herança
Além das alterações anteriormente citadas, a proposta do novo Código Civil ainda estabelece:
- Direito real de habitação do cônjuge no imóvel onde o casal morava, caso não tenha outro lugar para residir.
- Direito de usufruto de um imóvel no testamento, especialmente em casos de dependência financeira do falecido.
- Equiparação entre cônjuges e companheiros na sucessão, eliminando distinções legais existentes.
- Redução da parte da legítima (destinada aos herdeiros necessários) de 50% para 25% do patrimônio.
- Extinção dos testamentos aeronáutico, marítimo e de guerra – realizados em casos especiais, de morte iminente em aeronaves, navios ou situações de combate.
- Criação do testamento emergencial, válido por 90 dias e sem a necessidade de testemunhas.
- Criação do testamento conjuntivo, que permitiria a cônjuges ou companheiros elaborarem testamentos recíprocos para suas partes disponíveis da herança, modalidade atualmente vedada.
- Reserva de 25% dos bens da parte legítima para um herdeiro considerado hipossuficiente e vulnerável.
- Inclusão de herdeiros ainda não nascidos no momento da morte do testador, incluindo aqueles gerados a partir de material genético congelado.
- Testamentos em formato de vídeo ou outros meios digitais, com assinatura digital.
- Inclusão da herança digital no testamento, abrangendo criptomoedas, senhas de redes sociais, vídeos, fotos, documentos e mensagens.
- Inclusão da destinação que deverá ser dada a materiais genéticos armazenados no testamento.
Herança e gestão patrimonial exigirão atenção
Caso as novas regras sejam aprovadas, Ana Paula entende que será preciso ter cautela e apoio de profissionais capacitados para garantir que a vontade dos testamentários seja obedecida.
Para quem já está fazendo o planejamento sucessório, a revisão no Código Civil trará a necessidade de revisar testamentos, checar apólices de seguros e alinhar os veículos de investimento (como fundos exclusivos) à sucessão.
Reforma tributária também traz novas regras para herança
Ainda que não faça parte das discussões sobre as alterações no Código Civil, a implementação da reforma tributária também terá seus impactos no planejamento sucessório e nas heranças.
A reforma tornou obrigatória a adoção de uma alíquota progressiva de até 8% no Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD), um tributo estadual. Também haverá mudanças na base de cálculo do imposto.
De acordo com Humberto Aillon, especialista em mercado financeiro e empresas na Fipecafi, a incidência do imposto será calculada de forma independente por herdeiro.
Foi definido um limite máximo de alíquota, que não poderá exceder 8%, mas cada estado mantém sua independência para definir as faixas e regras.
Imposto pode diminuir nas heranças de menor valor, e aumentar nas maiores
Segundo Aillon, utilizando como exemplo estados cuja alíquota atual é de 4%, uma herança de até R$ 300 mil terá redução de cerca de R$ 6 mil com os impostos – a alíquota, nesse caso, muda de 4% para 2%.
Em contrapartida, uma herança acima de R$ 3,5 milhões terá elevação na alíquota de 4% para 6%, gerando um aumento de cerca de R$ 70 mil.
Herdeiros únicos pagam mais imposto
Outro exemplo citado por Aillon diz respeito à diferença de cobrança do ITCMD para herdeiros únicos ou múltiplos. Uma herança de R$ 15 milhões, por exemplo, considerando uma alíquota de 4%, teria incidência de R$ 600 mil de imposto. Com a nova alíquota, se o herdeiro for único, o imposto será de R$ 1,2 milhão, um aumento de 100%.
Se, por outro lado, a herança fosse destinada a dois herdeiros em proporções iguais, o aumento total seria de R$ 300 mil, ou 50%.
“No geral, será necessária uma boa revisão do planejamento familiar, pois haverá diversos casos em que o percentual será reduzido, mas a arrecadação será maior, o que impactará as pessoas envolvidas no plano patrimonial”, afirma.