Déficit habitacional cai ao menor nível da série, mas mais moradias são inadequadas, diz pesquisa

Déficit habitacional cai ao menor nível da série histórica, mas mais moradias são inadequadas, diz pesquisa
O déficit habitacional no Brasil caiu para 5,97 milhões de moradias em 2023, o menor número desde o início da série histórica pesquisada pela Fundação João Pinheiro, iniciada em 2016. A GloboNews teve acesso com exclusividade aos dados do relatório.
A carência de moradias caiu 3,8% em relação a 2022. O desafio, porém, não é apenas ampliar a construção, mas assegurar qualidade. Nesse contexto, a inadequação habitacional aumentou 4,34% e atingiu 27,6 milhões de domicílios urbanos.
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Déficit habitacional
O Sudeste (2,31 milhões) e o Nordeste (1,63 milhões) concentram os maiores números absolutos de déficit, seguidos por Norte, Sul e Centro-Oeste. Em 2023, a maior parte do déficit foi registrada fora das regiões metropolitanas.
O maior fator é o ônus excessivo com aluguel urbano, que atinge 3.665.440 domicílios (61,3%), seguido por habitações precárias (1.241.437) e por situações de coabitação (1.070.440). (entenda melhor cada um deles abaixo)
Os estados mais impactados pelo déficit habitacional são São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais. Os menores números estão em Roraima, Acre e Tocantins.
“A gente tem também observado um aumento desse ônus, principalmente em comunidades, favelas, em grandes capitais, em grandes regiões metropolitanas, que estão mais bem localizados na malha urbana”, diz Frederico Poley, coordenador de habitação e saneamento da Fundação João Pinheiro.
“Isso também é um fenômeno interessante. Essas áreas parecem, tudo está indicando, que tem aumentado sua densidade”, completa.
Inadequação de domicílios
Os mais de 27 milhões de domicílios inadequados correspondem a 40,8% do total de residências urbanas consideradas duráveis no país.
As regiões Nordeste e Sudeste lideram o indicador, com cerca de 9 milhões e 8 milhões de domicílios inadequados, respectivamente.
Em seguida aparecem as regiões Sul, Norte e Centro-Oeste, nessa ordem, em valores absolutos para o total brasileiro.
Segundo o levantamento, a inadequação é mais frequente em domicílios situados fora das regiões metropolitanas.
Outros destaques
🌎 Desigualdades regionais
Norte: apresenta a maior taxa relativa de déficit (11,9%) e de inadequação (74,5%). No Pará, o índice chega a 81,7%.
Nordeste: déficit de 1,63 milhão; inadequação acima de 60%. A Bahia é a única unidade da federação abaixo de 50%.
Sudeste: déficit de 2,31 milhões (39%), concentrado no aluguel. No Rio de Janeiro, a inadequação é de 48,3%; em São Paulo, de 21,2%.
Sul: déficit de 713 mil, com 43,5% de inadequação. O destaque é para problemas edilícios.
Centro-Oeste: déficit de 587 mil. A região apresenta heterogeneidade, com inadequação fundiária chegando a 28,7% entre lares de alta renda.
💰 Recorte por renda
Até 3 salários mínimos: concentram mais de 65% das inadequações no Norte e no Nordeste.
Déficit: maior concentração entre 1 e 2 salários mínimos (38,8% no país; 45,9% no Sudeste).
Acima de 10 salários mínimos: déficit residual, mas com peso expressivo da inadequação fundiária no Centro-Oeste (28,7%).
🧑🏽🤝🧑🏿 Recorte por cor e raça
Déficit: 46% pardos (2,74 milhões), 32% brancos (1,91 milhão) e 20% pretos (1,19 milhão). Pretos e pardos somam 68% do total.
Inadequação: pardos predominam no país; brancos apenas no Sul. Pretos apresentam taxas mais altas no Sudeste e no Norte.
Na infraestrutura urbana, a taxa de inadequação entre pardos é 140 domicílios por mil superior à dos brancos.
O que caracteriza o déficit habitacional
Poley explica que o déficit habitacional é formado por três subcomponentes: habitação precária, coabitação e ônus excessivo com aluguel.
“A habitação é considerada precária quando ela deve ser substituída, ou, por exemplo, quando há a existência mais de uma unidade doméstica numa mesma residência; ou seja, considera-se a necessidade de construção de novas habitações”.
O especialista explica ainda que:
Domicílios improvisados — que normalmente não deveriam servir de moradia — e domicílios rústicos estão associados ao padrão construtivo da casa.
A coabitação refere-se aos chamados domicílios tipo “cômodo”: moradias em cortiços, muitas vezes ocupadas por famílias que vivem em apenas um cômodo da residência.
Há também os casos em que mais de uma unidade doméstica divide a mesma habitação.
O ônus excessivo com aluguel urbano ocorre quando, em um domicílio com renda entre zero e três salários mínimos, mais de 30% dessa renda é comprometida com o aluguel.
A inadequação de domicílios envolve subcomponentes ligados às condições da infraestrutura urbana, da construção e da regularização fundiária.
São imóveis localizados em áreas sem saneamento básico (água e esgoto), sem destinação adequada do lixo e com fornecimento de energia elétrica falho. Além disso, relacionam-se à falta de regularização fundiária, quando a casa é própria, mas o terreno não.
A inadequação edilícia, outro subcomponente, refere-se às condições da moradia: material do piso e da cobertura, dormitórios em número insuficiente, ausência de banheiro exclusivo ou residências sem armazenamento de água.
A professora do Departamento de Política Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), Geisa Bordenave, lembra que o direito à moradia integra o rol dos direitos sociais previstos na Constituição Federal.
Ela ressalta que tanto a falta de moradia quanto a inadequação dos domicílios impactam diretamente a vida dos brasileiros.
“A gente pode pensar, por exemplo, em doenças como a tuberculose, que são muito mais comuns em situações em que a moradia é inadequada. A falta de ventilação, a umidade excessiva numa casa, tudo isso está relacionado a problemas de saúde diversos”, diz.
“Quando a gente pensa, por exemplo, o ônus excessivo do aluguel, muitas famílias comprometem uma parte enorme da sua renda pagando aluguel. E isso vai fazer com que outras necessidades fundamentais não sejam atendidas, como a alimentação.”
O que diz o governo federal
Segundo o governo federal, já há mais de 1,7 milhão de moradias contratadas pelo programa Minha Casa, Minha Vida — resultado do aumento de 100% no orçamento da iniciativa nos últimos três anos. A expectativa é lançar um novo programa para apoiar famílias que vivem em más condições a reformar suas casas.
“Se por um lado a gente ataca (com) o ‘Minha Casa, Minha Vida’, o déficit habitacional; a questão da inadequação (atacamos), obviamente, com esse novo programa que vai ser lançado, com programa de crédito subsidiado para que as famílias possam melhorar as suas habitações”, diz o ministro das Cidades, Jader Barbalho Filho.
“E do outro, você tem um programa de aceleração do crescimento que é muito importante, porque você faz obras de infraestrutura que não existem em determinadas regiões e tem essa necessidade de a gente levar abastecimento de água de qualidade, de levar o esgotamento sanitário.”