Trabalho infantil volta a subir, mas atividades de maior risco seguem em queda, aponta IBGE

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Após uma queda histórica, o trabalho infantil voltou a crescer em 2024, registrando alta de 2,1%. Dados divulgados nesta sexta-feira (19) pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) indicam que pelo menos 1,65 milhão de crianças e adolescentes brasileiros, entre 5 e 17 anos, estavam nessa situação.
O total representa 4,3% dos jovens dessa faixa etária, que somam ao todo 37,9 milhões no país. Apesar do aumento, o índice permanece abaixo do que foi registrado entre 2016 e 2022.
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A série histórica apresenta oscilações relevantes:
Entre 2016 e 2019, o trabalho infantil caiu 15,7%, seguido de alta de 7% em 2022.
Em 2023, o número atingiu o menor patamar já registrado, com retração anual de 14,6%, totalizando 1,61 milhão de crianças e adolescentes em situação de trabalho infantil.
Trabalho infantil ainda afeta 1,6 milhão de crianças
Arte/g1
O pesquisador do IBGE responsável pelos dados, Gustavo Geaquinto Fontes, ressalta que, nos anos de 2020 e 2021, a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) Contínua não coletou dados sobre o tema devido à pandemia de Covid-19.
Segundo ele, apesar do crescimento em 2024, ainda não é possível afirmar que a tendência de queda nesse tipo de trabalho foi revertida.
“Entre 2023 e 2024, observamos uma variação positiva de 2,1% no contingente, mas o nível continua baixo. Em termos percentuais, a participação na população total também subiu um ponto, passando de 4,2% para 4,3%.”
Quem são as crianças e adolescentes em trabalho infantil?
Mas afinal, o que caracteriza o trabalho infantil? Fontes frisa que nem todas as crianças que realizam atividades econômicas ou de autoconsumo (como pesca ou criação de animais) se enquadram nessa definição.
Segundo a Organização Internacional do Trabalho (OIT), o trabalho infantil é definido como aquele que é “perigoso e prejudicial à saúde ou ao desenvolvimento mental, físico, social ou moral das crianças” ou que compromete a escolarização.
Além disso, a classificação também é diferente de acordo com a faixa etária dos jovens.
“Para crianças de até 13 anos, qualquer forma de trabalho é proibida. Adolescentes de 14 e 15 anos só podem atuar como aprendizes. Jovens de 16 e 17 anos podem trabalhar com carteira assinada, mas nunca em atividades insalubres, perigosas ou noturnas”, explica Fontes.
Conforme os dados da PNAD, o trabalho infantil no Brasil apresenta desigualdades significativas por raça, gênero e idade.
Entre os trabalhadores infantis de 5 a 17 anos, meninos representam 66% do total, com rendimento médio de R$ 924;
As meninas correspondem a 34%, com renda média de R$ 693 — uma diferença superior a R$ 230.
A desigualdade racial também se manifesta no trabalho infantil: crianças e adolescentes pretos ou pardos representam 66% dos trabalhadores, com renda média de R$ 789, enquanto crianças brancas são 32,8%, recebendo em média R$ 943.
Os dados também indicam que o trabalho infantil não é uniforme:
Crianças mais novas se ocupam em atividades informais e com baixa carga horária;
Adolescentes enfrentam jornadas mais longas e vínculos formais, o que pode afetar sua educação, saúde e desenvolvimento. (veja mais abaixo)
Meninos negros são os que mais trabalham
Arte/g1
Na análise regional indica que, em 2024, o Nordeste concentrou o maior número de crianças e adolescentes em trabalho infantil, com 547 mil, seguido pelo Sudeste, com 475 mil.
Na sequência, aparecem Norte (248 mil), Sul (226 mil) e Centro-Oeste (153 mil).
Piores formas de trabalho infantil
Em 2024, 560 mil crianças e adolescentes estavam nas chamadas piores formas de trabalho infantil, listadas na categoria TIP — atividades descritas no decreto 6.481 do governo federal, associadas a riscos de acidentes ou danos à saúde.
O contingente atingiu o menor patamar da série histórica, após queda de 5,1% em relação a 2023 e retração ainda mais acentuada de 22,7% entre 2022 e 2023.
“No período acumulado da série histórica, entre 2016 e 2024, houve uma redução de 39,1% de crianças e adolescentes ocupados nas atividades da lista TIP”, afirma o pesquisador do IBGE.
A maioria desse grupo é composta por adolescentes de 16 e 17 anos (8,3%), em sua maioria pretos ou pardos (6,1%).
Piores formas de trabalho infantil em queda
Arte/g1
Beneficiários do Bolsa Família
Os dados também mostram uma relação entre vulnerabilidade social e trabalho infantil. Em 2024, 717 mil crianças e adolescentes que viviam em domicílios beneficiários do Bolsa Família estavam nessa situação, cuja renda familiar per capita foi de R$ 604.
A proporção nesse grupo foi de 5,2%, ligeiramente acima da média nacional (4,3%). No entanto, ao longo da série histórica, a redução foi mais acentuada do que a média geral, fazendo a diferença cair de 2,1 para 0,9 ponto percentual.
Em relação às atividades exercidas, as crianças beneficiárias em situação de trabalho infantil estavam mais presentes no autoconsumo (40,5%) e nas agrícolas (30,3%).
Quanto à frequência escolar, esse grupo apresentou índice superior à média dos trabalhadores infantis: 91,2%, com variação maior entre adolescentes de 16 e 17 anos (82,7% entre beneficiários, contra 81,8% na média geral).
A frequência escolar é uma das condições para manter o Bolsa Família: o mínimo exigido é de 60% para estudantes de 4 e 5 anos e 75% para aqueles de 6 a 18 anos incompletos.
Afazeres domésticos e cuidado de pessoas
Outro dado importante da pesquisa é a carga de afazeres domésticos. Em 2024, mais da metade das crianças e adolescentes de 5 a 17 anos (54,1%) ajudava em tarefas de casa ou no cuidado de pessoas. A prática era mais comum entre meninas (58%).
Entre os que já exerciam algum tipo de atividade econômica, essa participação era ainda maior: 74% também acumulavam afazeres domésticos, contra 53,3% entre os que não trabalhavam.
A diferença ficava mais evidente nas idades mais baixas, de 5 a 13 anos. Nesse grupo, 79,6% dos que trabalhavam em atividades econômicas também realizavam afazeres domésticos, enquanto entre os que não trabalhavam essa proporção era de 44,9%.
Criança trabalhando, em foto de arquivo
Valter Campanato/Agência Brasil